Rio, Zona Norte (1957), de Nelson Pereira dos Santos

Billy Joy Vargas
2 min readJun 3, 2021

Nelson Pereira dos Santos trabalha de maneira magistral com um conflito existente em qualquer sociedade humana, mas aqui particularizado para a situação do Brasil. Trata-se do conflito entre o romantismo, a autenticidade do indivíduo criativo (encarnada aqui pela figura do brasileiro ingênuo) e o materialismo utilitarista da sociedade (aqui representada por uma atitude de colonizador muito evidente).

O protagonista Espírito, cujo nome já indica muito bem a sua representação nessa ideia do filme, compõe suas músicas como uma espécie de purgação das mazelas de sua vida. É marcante como, ao longo do filme, ele canta repetidamente algumas canções, como que para ressaltar a diferença na sua interpretação (autêntica e carregada de sentimentos) da feita pelos outros (carregada de padrões genéricos de qualidade daquilo que é visto como “adequado” para os interesses de mercado).

O diretor faz ótimo uso de fusões nas imagens para conectar de maneira fluida os flashbacks com a repercussão do acidente sofrido por Espírito. Mais do que puramente causar um certo suspense a respeito dos motivos do acontecido, essa estrutura narrativa do filme ajuda a reforçar toda a sua dialética . Enquanto os flashbacks reforçam uma ideia de inevitabilidade trágica para a história de Espírito, um produto da inadequação do gênio não-domesticado à sociedade colonizada, os eventos no presente da narrativa reforçam a presença do materialismo utilitarista até nos elementos mais periféricos da história. A atitude impessoal e objetiva dos policiais, todo o procedimento da equipe do hospital (que usa a cirurgia em Espírito como uma aula aos médicos presentes). Tudo parece banhado por essa atmosfera utilitarista que sufoca qualquer expressão mais romantizada que possa existir.

No fim, a trajetória de Espírito é a mesma da arte reproduzida pela sociedade, contraditória como sempre foi. Se para o criador, ela é tanto uma expressão autêntica quanto um mote do seu sonho ingênuo de fazer sucesso dentro da lógica do mercado musical, para seus “parceiros” de profissão ela é joia bruta a ser domesticada, suas arestas precisam receber contornos que encaixem melhor ao molde da indústria.

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Billy Joy Vargas

Propondo ideias e expandindo meu conhecimento sobre a sétima arte.