Falstaff — O Toque da Meia-Noite, de Orson Welles

Faltstaff é um filme muito autoconsciente da estranheza que causa a reprodução contemporânea de alguns costumes da época medieval retratada, desde floreios linguísticos retirados diretamente da obra Shakesperiana até noções de heroísmo romantizadas.

Formalmente, Welles adota uma decupagem bastante característica de sua filmografia, desta vez trabalhando mais com a comédia em si. Assim como em Kane, tudo na cena se mantém em foco, o que evidencia o tom caótico dos ambientes. Sempre há um acontecimento principal, mas a câmera ainda capta as diversas expressões e ações periféricas do plano. Em momentos pontuais, Welles trabalha com closes no rosto dos personagens em diferentes ângulos de câmera. Assim como em A Marca da Maldade, as lentes grande angulares deformam os rostos. Se lá, isso funcionava para ressaltar o domínio opressivo do policial corrupto vivido por Welles perante os demais, aqui serve para amplificar expressões cômicas e reações a situações absurdas.

Toda a cena de preparação para a batalha, e a batalha em si, é brilhante ao articular um tom menos romantizado da guerra e pontuar a comédia em momentos inusitados. É impossível não pensar que aquela espécie de içamento dos cavaleiros de armadura em cima dos cavalos serviu de inspiração para muito do que Monty Python faria 10 anos depois.

A figura gigantesca de Falstaff toma conta de todas as cenas e dá um tom debochado ao que acontece. Ao mesmo tempo em que se vangloria de atos de bravura inexistentes para manter alguma imagem de respeito, Falstaff parece bem consciente de como tudo aquilo é uma grande bobagem. Apesar do final dramático, a impressão que fica é a de que Falstaff assume uma postura que é muito mais resignação do que decepção com relação às atitudes do príncipe. Não poderia ser diferente, em um filme onde o heroísmo é visto como uma grande piada que só serve para se atingir um certo status.