Desejo e Obsessão (2001), de Claire Denis

Billy Joy Vargas
3 min readAug 15, 2021

Dentro da ideia concebida como o Novo Extremismo Francês, Desejo e Obsessão é um filme que possui esse tom frio e introspectivo do movimento, com personagens que pouco verbalizam suas intenções e vivem numa atmosfera melancólica. Contudo, o trabalho de Claire Denis aqui se destaca pela maneira como a diretora consegue articular uma atitude que denota um reconhecimento da inevitabilidade de certas tragédias, ao passo que desenvolve isso muito bem numa dialética que envolve um aspecto mais obsessivo da natureza humana.

Chama a atenção como desde o início o filme insere alguns planos no meio de cenas, sem quaisquer indicações acerca da temporalidade, ou mesmo concretude, daquelas ações. São pequenos segmentos que já anunciam um fascínio pelo sangue, algo que se desenvolverá na progressão da narrativa, dando o tom dialético que Denis propõe: dentro de uma atmosfera melancólica, até reprimida, há uma purgação estilística no aspecto gráfico da violência.

Entretanto, e isso é o que efetivamente diferencia a obra de um thriller extremista genérico, a diretora evita cair num radicalismo que busque apenas o choque imagético. Na verdade, a decupagem apresenta poucos planos abertos, que revelariam de modo mais claro os atos violentos. O filme se utiliza dessa decupagem mais livre como uma repercussão formal da violência irrefreável de seus personagens. Denis consegue violar regras sem soar fetichista, a ação frequentemente quebra o eixo de 180° da continuidade. Seja para reenquadrar os rostos dos personagens, seja para percorrer os corpos através de planos detalhe, esses recursos buscam muito mais a evocação de um envolvimento entorpecedor do que uma localização dos atos em si.

Quando o quadro se abre, como no famoso plano da parede coberta de sangue, funciona muito mais como uma ilustração poética do resultado da purgação de um sentimento reprimido pelo filme. Até então, toda a perspectiva que tínhamos partia de planos fechados, numa decupagem que trabalhava na desorientação, resultado do transe de uma libido violenta. É nesse sentido que o enquadramento da parede se apresenta como a concretização, uma espécie de exposição da obra finalizada dessa artista da morte.

Tais escolhas estilísticas poderiam muito bem situar Desejo e Obsessão no campo do experimental, mas há de fato uma progressão dramática que se desenvolve de modo mais centrado na trama. A tensão progride através do mistério, existe, desde o início, um sentimento de luta para o controle de obsessões, mas estas demoram a ser esclarecidas. Ao passo que, um sentimento de inevitabilidade, até fatalista, consegue manter-se presente.

As cenas das mortes são grandes exemplos de como, através da decupagem deslocalizadora e afeita a detalhes, toques e sensações, o filme não articula exatamente como essas mortes são consumadas. Ao invés disso, existe uma espécie de entorpecimento mútuo, de agressor e vítima, que culmina em certa aceitação fatal por parte da última. Numa dialética que explora a violência, mas sem depender somente dela para envolver, com um fatalismo, porém sempre latente, Desejo e Obsessão torna-se um misto de thriller extremista com tragédia grega.

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Billy Joy Vargas

Propondo ideias e expandindo meu conhecimento sobre a sétima arte.