A Guerra do Amanhã (2021), de Chris McKay

Billy Joy Vargas
5 min readJul 14, 2021

A Guerra do Amanhã transita de modo oportuno em temáticas de interesse contemporâneo. O diretor Chris McKay se aproveita de paralelos que podem ser facilmente traçados do ponto vista ideológico para conduzir sua narrativa, mas é através de um envolvimento do espectador por parte de uma estética gamificada que o filme sai do lugar comum.

Em primeiro lugar, existe um paralelo evidente a ser traçado com a situação de pandemia do covid-19 e a ameaça alienígena, de modo que o filme constrói um comentário a respeito da incapacidade institucional em lidar de modo sustentável e coletivo com a crise global. Mais do que isso, é um filme que busca, à sua maneira, celebrar a ciência como forma de salvação da humanidade. Há a construção de um cenário de valorização desse âmbito por parte de seus personagens que caminha junto dos paralelos temáticos abordados. Se inicialmente o filme trabalha com o imaginário popular da situação atual, também olha para o futuro e aponta para a ameaça seguinte: todo o caos da presença alienígena se dará pelo derretimento de geleiras, produto das mudanças climáticas.

Portanto, ao menos na intenção ideológica mais evidente, o filme se desenvolve na busca por assuntos contemporâneos e traça um caminho de superação através do esforço científico. Contudo, a ambiguidade de suas resoluções e o uso dessa temática como fio condutor, para dar espaço a uma mise-en-scène dedicada ao gênero da ação, se manifestam como as grandes preocupações da narrativa. Ainda que crente numa ciência que salvará o mundo, o filme é cético no que diz respeito ao papel governamental nessa jornada. Nesse sentido, parece mesmo uma abordagem ao estilo Michael Bay. O homem engravatado, a ação intergovernamental (e aqui intertemporal), ainda que organizada e de boas intenções, não é nada sem os heróis rebeldes que carregam uma arma e entram em conflito direto com a ameaça.

E é dentro dessa ideia de necessidade de ação que o filme explora de modo notável a linguagem do gênero. Inicialmente, é muito bem conduzida a construção de tensão para o momento em que se revela, finalmente, a imagem do monstro. Tal qual um Tubarão de Spielberg, aqui em menor escala temporal, o filme se apoia primeiramente em um medo pelos espaços em off, pelos indícios da presença dos monstros de modo que, quando ocorra a revelação, ela venha acompanhada da catarse violenta. É importante ressaltar que nada disso seria bem-sucedido sem uma boa construção visual para os alienígenas. De certa forma ressoando a estética do filme como um todo, os monstros são caracterizados num meio-termo entre um pseudorealismo da ficção científica contemporânea e um aspecto mais fantasioso e caricato de alguns filmes orientais.

Passado o ponto de exploração estética do alienígena como ameaça, é importante ressaltar como a decupagem da ação é conduzida de modo que remete muito a jogos eletrônicos. Isso se torna marcante pela abordagem desenvolvida em diferentes escalas. Quando o conflito se torna mais aproximado, a câmera passeia em torno dos monstros. Já nas cenas de maior distanciamento, há um uso muito recorrente do ponto de vista, tal qual um jogo de FPS. É como se o filme convidasse o espectador a um envolvimento ativo na luta pela sobrevivência. Ao alcance de um controle, parece até possível controlar a cena de prisão do monstro na jaula ou, de dentro de um helicóptero, mirar e atirar.

Talvez o aspecto mais evidente desse compromisso do filme com uma estética de missão gamificada para ação esteja no personagem de Pratt. Indo além da exploração de sua figura já estabelecida como entertainer da ação/comédia, o filme materializa em seu personagem a figura do herói protagonista do filme/jogo. A encenação parece pedir a presença de uma barra de vida para esse protagonista que cai de grandes alturas, pula e coloca sua mão dentro da boca daqueles monstros, mas em nenhum momento parece gravemente ferido.

Funcionando como direcionadores para a trama, as descobertas científicas nunca tomam o papel de protagonista do conflito franco e, ainda mais importante, não se descolam totalmente da unidade estilística proposta pela ação. A investigação científica aqui é conduzida de modo simplista e até fantasioso. O filme carrega esse aspecto de ficção científica dos anos 80 em que tudo era possível para um nerd à frente de um computador. A ciência torna-se, nesse universo, um chamamento divino à salvação, um propulsor para a ação violenta de sobrevivência.

A cena de descoberta da formulação para toxina no laboratório é um grande exemplar do que o filme desenvolve em seu todo. Paralelamente à essa atividade principal, existe a progressão dramática da relação entre o personagem de Pratt e sua filha e, logo ao lado, a ameaça onipresente do monstro. A passagem do drama para a ação se dá somente quando, de modo quase mágico, a formulação perfeita é atingida. A ciência fez sua parte, sublinha o filme, chega a hora da violência tomar frente na situação.

De modo geral, o ritmo da segunda metade do filme é prejudicado pela insistência da trama em tentar amarrar todas as pontas soltas de personagens dentro da ideia da investigação científica. Mesmo assim, ainda há a presença consistente de aspectos abordados anteriormente, como uma comédia mais interessada na função dos arquétipos e uma influência quase divina da ciência na resolução dos problemas.

E é na cena final da geleira que essa estrutura cênica abordada na primeira metade se manifesta novamente de modo mais frontal. Ainda que de modo mais sutil, há mais uma vez a presença de drama de relações, aqui entre Pratt e seu pai, conduzidos pela influência da descoberta científica. É interessante como, do ponto de vista de trama, o filme ressalta aqui como todo o esforço pela toxina não se torna mais importante do que o conflito direto com os monstros. Novamente, essa ciência funciona como propulsora, mas é através do embate franco, e do sacrifício, que os laços afetivos se fortalecem.

A Guerra do Amanhã é, com tudo isso, um interessante exemplar de gênero que não segue exatamente as mesmas tendências fetichistas contemporâneas por um realismo aparente. Ainda que não totalmente entregue a isso, o filme se destaca ao explorar de modo mais ingênuo, sem buscar uma sobriedade que valide sua relevância, a temática futurista e a ação abertamente gamificada.

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Billy Joy Vargas

Propondo ideias e expandindo meu conhecimento sobre a sétima arte.