A Grande Jornada (1930), de Raoul Walsh
A Grande Jornada é um dos filmes que melhor soube encenar o processo de expansão para o oeste estadunidense. É uma obra que cativa, essencialmente, no modo como a trama de relações entre os personagens do filme serve de propulsora para o principal interesse do diretor Raoul Walsh: retratar o caminho árduo, de certa forma heroico, destes pioneiros ao cruzar o país.

Lançado em duas janelas diferentes, a versão widescreen de 70mm será o objeto de crítica aqui, especialmente por como esse formato de imagem torna tudo ainda mais grandioso para a mise-en-scène do filme. Muitas cenas são dedicadas ao trajeto das carroças, vencendo diferentes barreiras de clima e relevo. Walsh consegue transmitir muito bem um sentimento de esforço coletivo na transposição de dificuldades encontradas na jornada, com planos abertos que cativam não somente pela dramatização dos acontecimentos, como também pelo próprio fascínio em torno do que o diretor alcança em termos de produção para um filme de 1930. Se as dificuldades dos pioneiros se tornam épicas dentro da narrativa, o próprio empreendimento técnico demandado para tal torna-se uma jornada em si.
Talvez o aspecto mais interessante seja como o diretor dá espaço para um engrandecimento das ações, mas não pesa a mão em obter um heroísmo exacerbado para o tom de seu filme. Em muitos momentos a trilha sonora inexiste, deixando espaço para o som diegético dos próprios atos, o que confere uma naturalidade sóbria a tudo o que acontece. Walsh sabe muito bem quando usar a música para pontuar alguma situação, e quando apenas a diegese se faz necessária. É um trabalho bastante econômico nesse sentido, focando o virtuosismo na grandiosidade específica da construção visual.


E essa articulação estética chama a atenção desde as primeiras cenas do filme. À primeira vista, há um certo estranhamento pelo excesso de planos gerais nas cenas de diálogo, denotando até um aspecto que remete ao Primeiro Cinema, mas isso acaba se unindo muito bem com a composição do enquadramento como um todo. Não há diálogos que pareçam visualmente isolados do resto do ambiente. Tudo o que acontece em primeiro plano está sempre acompanhado de ações paralelas: a movimentação de animais, sons em off, colonos pioneiros em segundo plano ouvindo ou confabulando. O filme não mede esforços nessa ideia de inserir seus personagens dentro de um contexto que é maior do que qualquer relação mais íntima.
Nesse sentido, o desenvolvimento das relações entre os personagens dialoga com a temática de trail (ou jornada) do filme, mas isso não parece ser levado tão a sério quanto a jornada coletiva em si. As relações de amor e vingança que centram o personagem de Wayne progridem de acordo com o progresso dos pioneiros. Wayne representa nesse sentido um personagem com diferentes objetivos e caminhos a serem percorridos. Nota-se como ele frequentemente se desvia do curso principal do grupo para desempenhar outras ações, aspecto que culmina na sequência do último ato em que o personagem vai atrás da “justiça do oeste”, mas a narrativa sempre lhe conduz de volta à jornada principal.

O mais notável é que, apesar do protagonismo de Wayne, em nenhum momento seu personagem toma para si o foco principal da jornada coletiva desses pioneiros. Essas relações que o cercam são resolvidas de modo até simples. O romance toma forma essencialmente pelas ações de altruísmo, sem grandes cenas dedicadas particularmente a esse tema no decorrer da jornada. Já o conflito violento sempre se resolve sem heroicizar o personagem, com decupagens simples e uma atmosfera de realismo que renega alguns elementos tradicionais do faroeste.
Já nos personagens periféricos, existe uma leveza que também não particulariza grandes dramatizações, até abrindo espaço para o cômico em muitos momentos. Alguns desses personagens parecem encenar pequenas gags que, se por um lado deslocam o filme para um aspecto mais episódico, por outro reforçam a ideia de simplicidade dos indivíduos que constituem uma movimentação coletiva grandiosa.

Com isso, o tom geral do filme de Walsh é de uma espécie de naturalismo que não perde de vista o aspecto épico que se deseja dar à narrativa. A Grande Jornada é grande pelos gigantescos esforços empreendidos por personagens tão simplórios e idealistas, muito bem capturados numa construção visual marcante, sem cair no exagero estéril, transitando entre o heroísmo e o documento histórico.